Já são 15 anos morando em meio ao caos e à lama (bem Chico Science, né?), só agora as coisas começam a mudar. A pouco tempo foi feita a rede de esgoto, mês passado fizeram os canais pluviais e, agora, estão fazendo o calçamento pra valer.
Sim, o calçamento começou há mais tempo, mas eles (esses seres não identificados que estão praticamente na minha porta agora) faziam uma rua... Depois outra... Depois uma entre essas duas... Numa morosidade irritante. Aí as obras foram paradas. E agora estão fazendo ao menos 8 de uma só vez. Mas já chego aí.
Calçaram as primeiras ruas. Os paralelepípedos se destacavam em meio à terra vermelha. As ruas tornaram-se movimentadas, porque quem podia fazia parte de seu caminho por ali. Andar alguns metros a mais para não ter que passar por lama, terra e uma buraqueira infernal todo dia, de duas a quatro vezes por dia, não é nada.
Mas as pessoas estavam acostumadas com a buraqueira-way-of-life. Nas ruas de terra não há mão e contramão. A mão é o lado que tem menos buracos, menos pedras, menor risco de perder um pneu ou uma suspensão. No inverno, a mão é aquele pedacinho pouco de terra que se mostra nas margens de poças, por vezes verdadeiras lagoas. Quem vem de lá que espere pra passar, porque eu cheguei primeiro.
Aí vieram as pedras acinzentadas pelas quais grande parte dos carros trafegam, às vezes em velocidades mais altas do que o aconselhável para uma zona residencial com mais carros do que estacionamentos nos prédios - eles ficam, evidentemente, parados nas ruas. Nem todas as esquinas permitem que o motorista simplesmente entre à esquerda sem olhar o que vem lá. É Bessa, sim. É zona residencial, metade feita de lama, mas há outros carros circulando nas ruas, utilizando os mesmos caminhos. Mas o que isso importa? As pessoas ainda trafegam na contramão, ainda dobram esquinas sem olhar, não respeitam regras de preferência e quem respeita ganha luz alta e buzinadas. Porque - imagina que afronta! - está empatando o caminho de egos grandes demais para aceitar que aqui não é a Inglaterra e o lado certo da pista é o direito. Ou não é a Índia, onde parece não haver lado certo e errado da pista ou preferência de quem vem à direita. Mas isso pode ser apenas um estereótipo das imagens da internet e da novela indiana da Globo.
Os pedestres também geram e passam por complicações. Em diversos pontos não há calçada para eles e, quando há, muitos se sentem no direito de andar no meio da rua e o carro que desvie. Desviar pra onde, eu me pergunto? Tem calçada que não existe porque o terreno não tem construção, outras porque o dono simplesmente não fez e deixa o mato comendo solto e outros ainda que fizeram. Fizeram um lindo jardinzinho cheio de plantas e flores que impedem a passagem. Afinal, eles só saem de casa de carro, né? Então pra quê vão fazer calçadas pros outros? Eles que só andem de carro também.
Das diversas ruas que estão sendo calçadas, uma já está pronta, mas continua fechada. Aproveitando que alguém que parecia ser, de alguma forma, responsável pelo serviço estava dando ordens na calçada da minha casa ontem de manhã, fui assuntar.
Descubro que, depois de terminadas as ruas, é necessário esperar 25 dias para que sejam liberadas. Sabe como é: o cimento tem que secar pra aguentar o tranco, ou o serviço não adianta de nada. Ainda sobre questões estruturais, ele me fala que os donos das casas - inclusive a minha - terão trabalho extra no final, pois as casas foram construídas abaixo do nível da rua. Todo mundo vai ter que subir calçada e afins.
Solto a reclamação de seu Antônio Xavier, que demorou 18 anos pra ver esse serviço sendo iniciado. O senhor que controla a obra então me explica as falcatruas políticas - porque claro que não pode haver obra sem roubalheira. O projeto de pavimentação do Bessa começou no governo anterior. Algumas ruas foram feitas, a passo de formiga, o dinheiro não chegava e o desvio de verbas foi descoberto. Pára tudo e vamos discutir isso! E o Bessa fica mais-ou-menos (mais-pra-menos) calçado até que mude o governador, que conseguiu reabrir o projeto e, de acordo com o senhor baixinho, calvo e bronzeado à minha frente, se ele tá roubando, tá sabendo esconder, porque o dinheiro necessário tá chegando. Não muda minha visão negativa do governador atual, mas ao menos não ficarei mais ilhada em casa por causa da lama.
(Sim, eu perguntei sobre toda a infraestrutura necessária para garantir que tudo não vá inundar depois, que eu sou curiosa.)
A rua principal das redondezas, que liga a parte da frente à parte de trás do bairro, será asfaltada, terá linha de ônibus e tudo (e eu já imagino as batidas causadas pelas criaturas donas da rua, que vivem num Bessashire imaginário, onde qualquer mão é mão). É bom. Claro que não terei mais a trilha sonora de sítio para dormir (grilos, folhas farfalhando, passarinhos, tudo será substituído pela sinfonia urbana de buzinas, pneus travados e roncos de motores). Mas da próxima vez que meu irmão bater o carro, talvez eu tenha menos transtornos pra conseguir chegar na universidade.
Essa tal rua que será asfaltada já devia ter sido calçada desde 2004 (se é que acertei o ano). Na época das eleições para prefeito em que Ricardo Coutinho se elegeu pela primeira vez, encheram a rua de placas, máquinas e fotógrafos, revolveram a terra e nós víamos a promessa diária de que a rua estava sendo calçada com o "IPTU Cidadão". Tiraram fotos, tiraram as máquinas, deixaram a terra revirada e foram embora, sem calçar rua alguma. Dizem que a verba foi desviada para a campanha de Rui Carneiro. A única coisa que posso confirmar é que acabaram as eleições, as placas lá ficaram até o final do ano seguinte e eu tinha muita raiva cada vez que as via.
Certas casas e certas associações ainda devem calçadas, mas acho que vão criar vergonha na cara em breve. Gosto de acreditar no melhor das pessoas.
Espero que, já que não tem mais rua de terra nem buraqueira, os motoristas passem a andar na faixa certa. É pedir demais que eles coloquem em prática o que supostamente aprenderam na autoescola?!
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