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By Ferramentas Blog

Spoiler Alert: True Blood

3 de fev. de 2010

True Blood e Questões Sociais
por Chris Guedes, originalmente publicado em Desoriental

Quem não viu True Blood, não sabe o que está perdendo. A série é, praticamente, um show de horrores que se passa majoritariamente na cidade fictícia de Bon Temps, interior de Louisiana, envolvendo vampiros, telepatas, metamorfos e seres mitológicos em uma trama de sexo, sangue e violência.

Mas a quantidade de aberrações sobrenaturais não impede que o criador Allan Ball consiga abordar, com naturalidade, inúmeras questões sociais sem precisar, necessariamente, atrair o foco da série para elas. A seguir, acompanhem alguns dos temas que já surgiram nos intensos episódios exibidos até então.

Todos os vampiros de True Blood possuem o que podemos chamar de flexibilidade sexual. Parece que, em face da imortalidade, os papéis de gênero a que estamos acostumados na sociedade são irrelevantes na cultura vampiresca underground. Pudera: para quem está vivo há vários séculos e para quem sexo, excitação e prazer envolvem necessariamente sangue, definições como hetero e homossexual parecem demasiado restritivas.

Um exemplo interessante é a personagem Pam, assistente do vampiro milenar Eric, xerife da Área 5. Em vários momentos da série ela demonstra sentir atração por mulheres. Todavia, é impossível saber se o desejo é sexual ou estritamente... alimentício.

Na primeira temporada, um dos três “vampiros do mau” mantém um carniçal gay e somos apresentados também ao rico personagem gay Eddie, um vampiro recém transformado que põe abaixo todos os nossos estereótipos (sociais e... sobrenaturais). Eddie é um homem de meia-idade, carente de afeto e disposto a passar a eternidade assistindo TV. Em uma conversa, ele comenta que a sociedade espera que os homens gays se pareçam com Jason Stackhouse (um metrossexual atlético e “comedor”) e que o fato de ser vampiro não o ofereceu nada, além de uma diferente moeda para pagar prostitutos como Lafayette.

Humano, negro, pobre, gay efeminado, envolvido com tráfico de drogas, pornografia e prostituição, Lafayette reune em si mesmo todos os grandes alvos do preconceito. Ainda assim, esbanja carisma e compõe um dos núcleos de alívio cômico da série. Mas True Blood não nos deixa esquecer que, apesar da malandragem e do crime, Lafa (como é conhecido entre os fãs) é um sofrido sobrevivente.

Outro assunto curioso que a série já abordou, ainda que em pequena escala, foi a questão da virgindade na vida adulta. Sem dramas e sem pressões, mostra dois personagens (uma mulher e um homem), de 25 e 28 anos respectivamente, que ainda não tiveram experiências sexuais, por motivos que nada tem a ver com religião ou puritanismo. E me rasgo em elogios porque nenhum deles é otário, nem herói.

De forma sutil, porém precisa, surge também a questão do abuso sexual infantil. A série denuncia a incidência do crime dentro de casa e relata como traumas dessa natureza abalam as estruturas familiares e comprometem o desenvolvimento da sexualidade da vítima.

Mas nem só se questões sexuais fala True Blood. A personagem Tara, por exemplo, lida com as conseqüências e traumas de uma infância problemática com a mãe alcoólatra. Complexada, agressiva e com baixa auto-estima, ela tende a afastar as pessoas que se aproximam, dificultando sua permanência em empregos e seus relacionamentos afetivos. Nas duas temporadas, acompanhamos o quanto sua fragilidade a deixa vulnerável à manipulação - mais realista, impossível.

No entanto, a antena paranóica dessa personagem com relação a preconceitos nos rende algumas reflexões interessantes - destaque para a cena em que ela critica o machismo do chefe por sexualizar as garçonetes, enquanto os garçons e cozinheiros sequer usam uniformes.

É com prazer que digo que minha série favorita favorece a quebra de estereótipos: a hippie ecologicamente correta viciada em drogas sob o pretexto de “entrar em intensa comunhão com Gaia”; a vovó do interior que tem a cabeça mais aberta do que os amigos jovens da neta; drogas que são mostradas exatamente como são: fonte de prazer e dependência, entre vários outros.

E falando em fugir dos padrões, lembremos que até mesmo os vampiros que mais esbanjam testosterona no seriado se preocupam com a aparência e são capazes de reconhecer e elogiar os atributos físicos um do outro.

Por fim, mas não menos importante, True Blood denuncia a alienação e a manipulação promovida pelas igrejas que desejam criar “soldados de Deus” para combater o “mal” representado pela diversidade (cultural, sexual e religiosa). Qualquer semelhança com a realidade de algumas igrejas cristãs não é mera coincidência.
True Blood é assim. Em tempos em que vampiros se envolvem em romances água com açúcar como na série Twilight, a HBO nos traz uma série adulta, nua e crua em todos os sentidos.

***
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